Kerley Carvalhedo

Quando o estranho somos nós

Não costumo ir a lugares que considero hostis. Também não é novidade dizer que às vezes também me sinto anacrônico e antiquado em relação à geração a qual eu faço parte. Falo isso porque, em 2014, alguns dos meus amigos insistiram para que eu fosse a um show que acontece todos os anos na cidade ao lado de onde moro.

Não costumo ir a lugares que considero hostis. Também não é novidade dizer que às vezes também me sinto anacrônico e antiquado em relação à geração a qual eu faço parte. Falo isso porque, em 2014, alguns dos meus amigos insistiram para que eu fosse a um show que acontece todos os anos na cidade ao lado de onde moro. Sem pensar e tomado pelo impulso, fui. Aceitei por insistência. Arrependi-me logo em seguida, não gosto de ir a lugares aglomerados. Os dias passaram e esqueci o assunto. Aceitei o convite por saber que o show era gospel e seria menos avesso. Que nada, a sensação foi o contrário.

Ao chegar lá, só piorou minha agorafobia, me deparei com aquela multidão eufórica, gritos enlouquecidos, tumulto. Era um empurra daqui, outro dali; gente transitando para todos os lados, fiquei mais perdido do que sou. Aos poucos, a turma foi chegando e se juntando próximo ao palco, de onde eu queria distância. O show começou. Todos eufóricos e alegres, e eu, tedioso, parecendo estátua de museu. Realmente aquele não era meu lugar. Depois de tocar duas músicas, puxei um amigo para o lado e falei que ia comprar água ali por perto mesmo e já voltava. Não ia comprar água coisa alguma. Era só mais uma estratégia para cair fora daquele lugar asfixiante, porque eu queria mesmo era estar trancado no meu quarto lendo Clarice Lispector e Nietsche; essas coisas que me dão prazer e melancolia. Sentia-me assim, um fugitivo. Quanto mais eu me afastava do local, mais as pessoas me reconheciam, e, para acabar com meu brio, diziam: “Você por aqui?” Por mais inverossímil que pareça, era eu mesmo, eu também me perguntava: “O que estou fazendo aqui?” Logo eu que sempre reneguei estar nesses espaços.

Quebrei todos os protocolos e etiqueta de quem vai a um show, seja gospel, sertanejo ou até mesmo no Rock in Rio. Não pensei duas vezes para pegar um táxi e ir direto para casa. Na volta, pensei: “Como eu sou tão esquisito”.

Tranquilidade e quietude eram tudo que eu mais queria ao chegar em casa. No dia seguinte, recebi toneladas de mensagens de amigos querendo saber onde me meti durante o show. Não lembro se respondi as mensagens, mas devo ter dado alguma desculpa esfarrapada. Liberdade nada mais é que isto: fugir daquilo que não nos faz bem.

Imagem/Pexels