Kerley Carvalhedo

Sou gorda mesmo, e daí?

Ela estava beirando os 50 anos de idade. Durante a vida inteira foi obesa. Seu maior sonho era um dia se parecer com aquelas modelos de passarela, que mais parecem uma boneca do vudu. Oprimida. Nada contra as modelos, mas, sim, contra o padrão ditado pelo mundo da moda.

Ela estava beirando os 50 anos de idade. Durante a vida inteira foi obesa. Seu maior sonho era um dia se parecer com aquelas modelos de passarela, que mais parecem uma boneca do vudu. Oprimida. Nada contra as modelos, mas, sim, contra o padrão ditado pelo mundo da moda. Ela dizia: “Eu sempre fui gordinha, quando eu era criança, eu parecia uma foca. Ser gorda na infância é tudo de bom, todos te acham uma gracinha.” Contou mais: “Minha adolescência foi o oposto da minha primeira fase, as amigas do colégio eram todas magras e altas, eu baixinha e gorda. Quem era que queria andar durante o recreio com uma obesa? Ninguém, claro. Saí à procura de um novo grupo. Achei a turma dos desprezados do colégio. Faziam parte dele: gays, lésbicas, feios e até outras gordinhas como eu. Lá ninguém sofria bullying, pois se mexesse com a gente a encrenca estava armada”. Essa história não para por aí. Ela teve a ideia de fazer uma rigorosa dieta, achou que passando fome resolveria o problema. “Vou ficar magra e ser aceita em todos os grupos”, pensava. A dieta radical teve resultado, perdeu muitos quilos até um dia desmaiar no corredor do colégio. A coordenadora já sabia do que se tratava, sem alvoroço disse: “Levem-na à cozinha”.

Não precisou nem chamar ambulância, o problema da criatura foi resolvido com um prato cheio de comida. Depois de todo esse perrengue, ela disse para si mesma que nunca mais tentaria ficar magra como as amigas. Mentira. O mais engraçado aconteceu depois desse fato histórico. Achou que o casamento e os filhos trariam o tal sonho da garota magra. Infelizmente aconteceu o contrário, em vez de perder peso, ganhou uns a mais. Os filhos cresceram, a idade chegou e os netos também. Um dos seus filhos casados lhe fez uma visita, e consigo trouxe seu filhinho, no caso, neto. Era a primeira vez que ela via o netinho. Como toda vó, também era corujona; fez graça para o neto em seu colo, em retribuição ele falou: “A vovó é gorda!” “Chega! Até você? Sou gorda mesmo, e daí?” Foi ali que ela iniciou carreira como plus size. Na festa à fantasia do neto, sabe qual foi seu traje? A Barbie. Já viram a Barbie gorda? Sim, ela existe. E foi assim que ela descobriu a felicidade de viver todos os personagens que ela adorava. Ela descobriu que ser feliz está além de uma aparência física. Descobriu que para viver os melhores momentos da vida não precisa ser padronizada. Quem disse que a felicidade só pertence aos magros? Aceitar quem você é ainda é a mais autêntica forma de felicidade. É amor-próprio. Alguns se matam de malhar na academia, fazem exercícios físicos, praticam esportes todos os dias para manter um corpo sarado; outros, pela sua saúde, e estão no seu direito. O problema são as dietas malucas, ficar neurótico. Envelhecer com saúde é outra coisa. Corpo fitness é a moda do momento, mas quando será moda aceitar as pessoas como elas de fato são?

Imagem/Pexels