Eu estava no centro de Belém do Pará despachando uns livros pelo correio quando me deu uma súbita vontade de sair dali e ir de encontro àquilo que me rouba o tempo: vasculhar os títulos na livraria. Sou daqueles que passam horas escolhendo livros, que vão parar nas minhas estantes já abarrotadas. Tenho compulsão por livros; compro livros que às vezes nem leio.
Assim que saí da livraria, pretendia ir ao shopping fazer um lanchinho. Foi apenas uma pretensão mesmo, pois passei por um casal de moradores de rua e avistei nas mãos da mulher o livro Feliz por nada, da escritora Martha Medeiros. Reconheci o livro pela capa. Não pensei duas vezes para me aproximar do pobre casal e perguntar o que acharam do livro. A resposta foi imediata: “Ela escreve muito bem. É um livro sensacional”.
Não fazia parte dos meus planos ficar meia hora plantado na calçada batendo papo sobre literatura com os moradores de rua. Quem passava por perto, deveria achar que eu era um daqueles religiosos tentando convencer os moradores de rua a se redimirem de seus pecados, coisa que nem de longe sou.
Quis saber mais sobre o livro. Ela contou que se identificou com a crônica chamada “Eu não preciso de almofadas” pelo simples fato de não precisar de muita coisa para ser feliz. “Eu só preciso de um coração firme e forte!”, disse com toda generosidade do mundo. A moradora havia encontrado a felicidade nas calçadas da grande Belém, inclusive na literatura de Martha Medeiros. Sentia-se livre de modo que me senti livre também.
Fiquei estático com tanta doçura e beleza em um só ser humano. Minha fome passou despercebida. A história da jovem senhora me encantou. Voltei correndo à livraria para comprar um exemplar do novo livro da Martha Medeiros e, ao passar o livro às mãos da moradora de rua, pude notar o contentamento em seu rosto. Agradeceu-me presenteando com um colar feito por ela mesma de materiais reciclados. Agradeci pelo carinho e fui embora.
A vida tem suas formas de nos ensinar, e uma delas é mostrar que somos efêmeros diante da vastidão da alma humana. Cada vez que me lembro daquele dia, fico menos pretencioso em agregar aquisições fúteis, que mais tarde só me servirão de acúmulos. Eu não preciso de status, dois apartamentos, dois carros, duas suítes. Também não preciso de superficialidades que consomem meu tempo. Só preciso de mais amigos, mais viagens, mais livros, mais gentileza. Preciso cada vez menos − menos caos, menos mimimi, menos problemas, menos divã.
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