Foi professor de uma renomada universidade, mas aposentou-se cedo. Nunca casou e nem teve filhos. Morava sozinho. Sua única companhia era a de Schubert, seu cão da raça Pug, que vivia dormindo na fenda do velho sofá rasgado. A empregada chegava todas as manhãs, preparava-lhe o café, realizava suas tarefas domésticas na imensa mansão, depois ia embora.
O homem passava a maior parte do tempo na sua biblioteca, entre as estantes abarrotadas de livros. Era lacônico e antissocial. Pouco se comunicava com a empregada. As conversas eram como se fossem monólogos “Com licença, Senhor. Trouxe-lhe seu chá” –, ele correspondia-lhe com breves acenos.
Ele tinha compulsão por livros. À medida que os lia, ia depositando um sobre o outro formando enormes amontoados pelo chão, junto às estantes. O homem lera um livro sobre uma tal Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Vernes. Descobrira misteriosamente uma passagem secreta nas páginas do livro para um mundo onde tudo era possível.
Passando-se uns dias, o homem comunicou à empregada que em breve faria uma viagem, não sabia ao certo quando partiria e nem quando iria voltar – recomendou que ela guardasse os livros que fossem chegando pelos correios. Também lhe pediu que limpasse as prateleiras que há muito estavam empoeiradas.
Certa manhã, a empregada conferiu a biblioteca – percebeu que o homem não estava lá, verificou o quarto – não havia sequer um alfinete fora do lugar. Pressupôs que o homem havia ido para sua anunciada viagem. Ela só estranhou o fato do homem não ter levado nada, tudo continuava aparentemente do mesmo jeito dentro do quarto, a mala, os sapatos, as roupas, tudo igual como ela havia organizado.
O homem sumiu para dentro do livro –, ele poderia entrar e sair quando quisesse, só tinha um detalhe – o livro tinha de estar ao chão e aberto.
A empregada aproveitou que o patrão não estava, entrou na biblioteca, limpou e reorganizou todos os livros, na esperança que ele ficasse feliz por sua nobre atitude ao voltar.
Ela não sabia que o livro pelo qual ele acessara o portal, era aquele que estava no chão da biblioteca. Ela também o limpou, fechou e o colocou de volta na prateleira, entre outros livros amarelados pelo tempo. O homem, ao regressar de sua viagem, tentara sair do seu mundo encantado, foi quando percebeu que não conseguia – alguém fechara o livro. O pobre homem procurou outras saídas, porém, nunca mais encontrou outro caminho de volta para a realidade.
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