Kerley Carvalhedo é escritor e cronista, nascido em Marabá, Pará. Em abril de 2009, publicou sua primeira crônica e, no final de 2008, lançou seu livro de estreia “Há Tanto Tempo Que Te Amo”. Em 2018, lançou “K Entre Nós”, que recebeu reconhecimento e certificação pela Darda Editora. Suas crônicas foram elogiadas por Contardo Calligaris e Joel Pinheiro da Fonseca. Kerley contribuiu para a literatura nacional e internacional, colaborando com ONGs, bibliotecas e comunidades no Brasil e no exterior, e participou de antologias e eventos literários em vários países. Foi curador da revista digital Mklay Brasil e idealizador do projeto “Café Literário”. Recebeu várias honrarias, incluindo menções honrosas, medalhas de mérito cultural e moção de aplausos. Em 2018, foi eleito imortal da Academia Tucuruiense de Letras e, em janeiro de 2021, acadêmico correspondente da Academia Caxambuense de Letras. Atualmente, reside em Sinop, Mato Grosso. Nesta conversa, eu, Ivanildo Oliveira, explorei a carreira literária de Kerley Carvalhedo e diversos outros temas. Confira.
IV . Kerley, eu começo com a pergunta: Para onde você está indo?
KC Penso nesta pergunta desde o apogeu da minha adolescência, e confesso que até hoje não tenho uma resposta exata. Mas é preciso entender muitas coisas que dizem respeito a nós: os sentimentos humanos, os desafios de envelhecer em uma sociedade fascinada pela juventude eterna, como encarar a realidade e como reagimos aos diferentes problemas do cotidiano; os erros na comunicação entre amigos, famílias e cônjuges — as dificuldades de se encontrar num mundo pluralista e o medo natural da finitude, entre tantos outros temas inerentes ao cotidiano moderno. Mas, sem dúvida, eu sei para onde não quero ir.
IV . Quem era Neiva Ormanes, a pessoa a quem você dedica o seu livro “Para Onde Você Está Indo?”
KC Foi o grande amor da minha vida na amizade. Nossa amizade começou em 2016, quando a conheci na casa da escritora Suellen Mendes, em uma noite de encontro com amigos. Desde então, não nos desgrudamos mais. Nos divertimos muito juntos, essa é a verdade. Conversávamos muito, sobre tudo, principalmente literatura. Ela era uma grande contadora de histórias e anedotas. Neiva era professora de literatura inglesa no Instituto Federal do Pará. Durante esse período, tivemos uma linda amizade. Fizemos viagens, projetamos eventos literários, até que, no final de 2019, ela descobriu um câncer gravíssimo. Começou o tratamento, porém, veio a falecer em março de 2023, em Belém do Pará, onde residia em seu apartamento. Neiva foi uma grande amiga que levarei para sempre em minha memória. Sempre a reverencio porque foi quem me ajudou muito com meus arquivos e trabalhos literários.
IV . Quando foi que você descobriu que seria um escritor?
KC Não sei exatamente quando foi, mas desde muito cedo fiquei fascinado pela palavra, pela linguagem. Isso veio de forma natural, mas, com o passar do tempo, percebi que a palavra já nasceu comigo. Não tive escolha na vida a não ser me tornar escritor. Tenho a impressão de que ninguém aprende a ser escritor; você nasce escritor. No fundo, é simples, é como um destino. É um destino. A gente nasce escritor e morre escritor. A gente não aceita essa estreiteza da vida; é uma forma de fugir da realidade e criar sua própria realidade.
IV . Como foi o seu processo de criação no início e a maior dificuldade que encontrou para publicar algo?
KC Meu processo criativo é sempre um caos. Há tempos em que a escrita vem fluída, e há outros em que fico em um deserto desamparado. Até tenho ideias, contudo, na hora de passar para o papel ou para a tela do computador, encontro dificuldades. É como se existisse um bloqueio, e esse bloqueio dura dias, semanas e até meses. Já fiquei mais de três anos sem escrever absolutamente nada. São fases que todo escritor passa, e é sempre um sofrimento.
IV . E qual o público que você deseja escrever?
KC Não tenho um público específico; quero que minha literatura chegue a todos. Se tivesse de escolher um público, escolheria ser lido pelos ribeirinhos da Amazônia. Gostaria que soubessem que o Brasil é um grande país, com todos os seus defeitos e maravilhas, mas que é lindo ser brasileiro.
IV . Alguns escritores dizem que gostam de lidar com a solidão, pois ela facilita o processo de criação. E você, o que acha da solidão? Ela faz parte do seu cotidiano?
KC Outro dia, fiz essa mesma pergunta e, sim, percebi que a solidão se instalou em meu cotidiano. O mundo lá fora anda tão barulhento, e o barulho do qual falo não é apenas o de carros, pessoas, etc. Falo do barulho de informação, do excesso de coisas que você tem que ler, ver, participar, saber. Como é importante, às vezes, a solidão. E pode haver o maior barulho perto de você, ao redor, no externo. Eu lido muito bem com a solidão. Em geral, costumo estar em casa depois das 18h, meu telefone não toca depois das 20h, e assim a vida foi me trazendo uma certa leveza. Minha solidão representa muitos significados e sensações. A solidão muitas vezes revela — revela a distância, revela o vazio, revela o abismo. Ela pode ser um lugar de profunda paz. Precisamos exercitar esses momentos de “solidão”, principalmente conosco mesmos.
IV . E a morte, de que forma ela afeta seus pensamentos?
KC Como escritor, a morte é uma presença constante em meus pensamentos, influenciando minha escrita e minha perspectiva de vida. Ela me lembra da fragilidade e da finitude da existência humana, o que, por sua vez, intensifica minha busca por significado e profundidade nas histórias que conto. A morte me faz refletir sobre o valor do tempo e a importância de viver de forma autêntica e significativa. Ela me leva a explorar temas de perda, legado e a natureza efêmera da vida, dando uma dimensão mais rica e complexa aos meus personagens e narrativas. A consciência da mortalidade também reforça minha determinação de aproveitar ao máximo cada momento, tanto na vida quanto na escrita.
IV . Sobre fé, como você lida com a questão da religião?
KC Eu tenho uma fé muito interessante, contudo, em geral, não lido muito bem com as religiões.
IV . A literatura brasileira perdeu vários escritores nos últimos anos. Você teve a amizade com a imortal da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon. Como foi essa experiência?
KC Foi uma amizade muito breve, mas suficiente para nutrir um grande afeto. Nélida e eu passamos horas ao telefone conversando sobre o mundo e a grande literatura. Eu me senti um escritor quando ela mesma me disse uma vez: “Você é escritor, meu amigo de ofício.” Naquele momento, senti que poderia ter uma carreira promissora no mundo das letras. Uma pena que, logo depois, ela se despediu de todos nós brasileiros.
IV . O que você acha do processo para ingressar na ABL, já que quem escolhe um novo membro são os próprios acadêmicos e não o leitor?
KC O processo para ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL) é, de fato, interessante e único. Como os novos membros são escolhidos pelos próprios acadêmicos, e não pelo público leitor, o processo reflete uma visão interna e particular sobre quem é considerado digno de integrar a instituição. Isso pode ter vantagens e desvantagens. Por um lado, garante que os escolhidos sejam reconhecidos e respeitados por seus pares, o que pode conferir uma certa legitimidade e prestígio ao novo membro. Por outro lado, pode limitar a diversidade de vozes e perspectivas, uma vez que o processo não envolve diretamente o público ou leitores, que têm suas próprias preferências e critérios para avaliar o valor literário. O processo pode ser visto como uma maneira de manter a tradição e a continuidade dentro da ABL, mas também levanta questões sobre como o valor literário é definido e reconhecido na esfera pública.
IV . Você tem o costume de escrever em manuscritos ou usa apenas ferramentas digitais?
KC Eu escrevo onde quer que esteja — em aviões, hotéis, e qualquer lugar que me ofereça a oportunidade. Não tenho dificuldade em adaptar meu processo de escrita ao ambiente em que me encontro. Devido às minhas constantes viagens, frequentemente escrevo à mão em cadernos. Esse método me permite capturar ideias e pensamentos de forma imediata, independentemente das ferramentas digitais disponíveis.
IV . Quais os escritores que você se inspira ou admira?
KC São tantos que é difícil fazer uma lista, pois cada um tem uma particularidade. Por exemplo, admiro Machado de Assis pela sua profundidade psicológica e inovação na literatura brasileira; Clarice Lispector pela sua exploração intensa da subjetividade e da condição humana; e Jorge Luis Borges pela sua originalidade e pela maneira como manipula o tempo e a realidade. Além deles, Gabriel García Márquez, Nélida Piñon e Virginia Woolf também têm uma influência significativa. Cada um desses escritores traz algo único para a literatura, e suas obras têm um impacto profundo na forma como vejo e escrevo sobre o mundo.
IV . Política faz parte da sua rotina de leitura diária?
KC Acho que todos devem participar e se interessar pela política do seu país. Se não participarmos e não fizermos algo para melhorar as coisas, não temos o direito de protestar.
IV . E questões como homossexualidade, racismo, violência contra a mulher e pedofilia? Como você encara essa realidade?
KC Vejo essas questões como desafios profundos que precisam ser enfrentados com seriedade. A homossexualidade deve ser respeitada como parte da diversidade humana. O racismo e a violência contra a mulher são inaceitáveis e devem ser combatidos com políticas eficazes e mudança cultural. A pedofilia é um crime horrível que requer proteção rigorosa para as crianças e punição severa para os infratores. É fundamental que todos nós trabalhemos para promover uma sociedade mais justa e igualitária.
IV . A Inteligência Artificial chegou com força total. O que você acha dessa ferramenta e como ela afeta ou ajuda na vida do escritor?
KC A presença da IA também traz desafios. A dependência excessiva dessas ferramentas pode, às vezes, diminuir o caráter pessoal e único da escrita. A criatividade humana vai além das fórmulas e algoritmos, e é crucial que os escritores mantenham sua voz e autenticidade, mesmo ao utilizar essas tecnologias. Acredito que a Inteligência Artificial pode ser um recurso valioso se usada com discernimento. Ela pode facilitar muitas tarefas, mas é importante lembrar que a essência da escrita – a emoção, a visão e a experiência humanas – deve sempre prevalecer.
IV . Você acredita em uma nova invenção que venha mudar o comportamento humano?
KC Acredito que novas invenções podem influenciar e moldar o comportamento humano, mas é difícil prever com precisão qual será o impacto específico. A tecnologia tem um papel significativo na transformação dos nossos hábitos e interações, e inovações como a inteligência artificial e a realidade aumentada já estão começando a alterar a forma como vivemos e nos relacionamos. No entanto, é essencial lembrar que, apesar das mudanças tecnológicas, o comportamento humano é complexo e profundamente enraizado em aspectos emocionais e sociais. Novas invenções podem facilitar ou complicar nossa vida, mas o verdadeiro desafio é como escolhemos usar essas ferramentas e como elas afetam nossa experiência humana. A adaptação e o impacto dessas invenções vão depender muito da forma como nos engajamos com elas e das escolhas que fazemos. A criatividade e a ética humana continuarão a desempenhar papéis cruciais na forma como essas inovações influenciam nosso comportamento.
IV . Para finalizar esta conversa, como você resume o seu afeto pelos seus leitores e o que espera deles?
KC Meu afeto pelos leitores é profundo e sincero. Eles são os que dão vida às minhas palavras, tornando-as parte de suas experiências e reflexões pessoais. Espero que eles encontrem nas minhas obras algo que ressoe com suas próprias vivências, algo que provoque pensamentos, sentimentos e talvez até inspire mudanças. O que desejo dos meus leitores é, acima de tudo, uma conexão genuína. Quero que eles se sintam tocados, desafiados e enriquecidos pelo que leem. Acredito que a leitura é um diálogo contínuo entre o autor e o leitor, e espero que essa troca seja significativa e gratificante para ambos. Que minhas palavras possam oferecer algo valioso, seja conforto, perspectiva ou um novo olhar sobre o mundo.