Há muito tempo, em criança, eu sonhava ir ao parque de diversões, desses itinerantes que, uma vez por ano, apareciam no bairro onde eu morava. Todos os dias, ao cair da noite, eu me equilibrava na cerca do quintal da casa. De lá avistava, ao longe, a roda-gigante iluminada em festa. O clarão que se espalhava pelo bairro iluminava também a minha imaginação.
Houve uma época em que não nos sobrava um tostão. Quando sobrava, o pai transformava em destilado. Nesses raros momentos de generosidade, ele prometia me levar ao parque no dia seguinte. Eu acreditava. Os anos passaram e a vontade de ir ao parque se perdeu no costume de não ir. Até que certa vez uma criança mais atrevida perguntou se eu iria naquele dia. Era o último, o ingresso mais barato. Senti inveja. Antes que eu respondesse, ela já havia sumido.
Toda vez que o pai bebia, eu pedia moedas. Juntei o que pude. Precisava garantir as balas, os doces e a maçã do amor, que nunca teve a fama do morango do amor, mas era nobre tal qual. Naquela noite, esperei que o pai e a mãe dormissem. Então fui. Lembro do cheiro de pipoca, mas já era o fim. As luzes se apagavam aos poucos, o som rouco dos alto-falantes anunciava o encerramento. O parque dormia, e eu, pela primeira vez, estava nele.
Décadas depois, voltei a um parque. Mais tecnológicos, mais seguros, mas sem cheiro, sem magia. Tristes. Procurei me esconder atrás do carrinho de pipoca, talvez por timidez, talvez por medo de perder o encanto outra vez. Esbarrei num menino da idade que eu tinha quando esperava o pai cumprir a promessa. Sorriu para mim, correu para o carrossel e subiu num cavalo que girava vagarosamente. Fiquei olhando por alguns minutos. O parque se apagava, os sons se afastavam, e o menino também sumiu entre as luzes e o silêncio. Silêncio quebrado pelo fantasma do passado.
