Cedo fui seduzido pelos livros. Era o tempo em que a internet existia para poucos. O saber ainda tinha cheiro de papel. Lembro do grande salão. Um abrigo que não encontrei em mais lugar nenhum. A luz entrava pelas portas abertas, de um lado a outro, cortando o espaço. As estantes ficavam nas laterais. O piso rústico de concreto. Bancos e cadeiras acompanhavam o estilo. No teto, ventiladores rodavam lentos, dissipando o calor, com ruídos que ainda moram na cabeça.
A biblioteca ficava entre as escolas José Lourenço e Gonçalo Vieira, nos fundos desta última, com saída para a Avenida Quinze de Novembro. As portas de madeira se abriam pesadas, como se o tempo tivesse peso. Lá dentro, mesas centrais recebiam gente e sossego. Globos, esqueletos, frascos com bichos. Tudo imóvel, como se esperasse o próximo leitor.
As bibliotecárias sabiam o ofício. Bastava dizer o tema, e o livro surgia. Guardo na memória os livros encapados, os mapas armazenados em tubos, o caderno de assinatura dos usuários. Também tenho na lembrança o bebedouro com água geladíssima e as plantas espada-de-São-Jorge enraizadas em latas de tinta. A madeira de acapu, cor de conhaque, sustentava o teto. Era um mundo que parecia durar.
Não é novidade que eu não era bom em matemática, nem em educação física. Eu fugia delas. Entre estantes, encontrava meu auspicioso destino: as palavras. Heloísa Helena, nossa professora de Ciências, autora das aulas magistrais daquela época, era dinâmica, mas de maestria irrefutável. Completava o cenário, recomendando-nos ir em busca dos assuntos. Morando em outro estado, relembro essas memórias e compartilho-as com ela por ligação.
Acordei pensando naquela biblioteca que não existe mais. O prédio se perdeu. Restam memória e sonhos. Hoje, aqui na minha sala, vejo minhas estantes cheias de livros. Sem sair do lugar, de certa forma volto à antiga biblioteca.
O lugar sumiu; eu ainda caminho entre as estantes.
