Quase todo filho tem ou já teve algum descontentamento com os pais (coisas da adolescência). Um dia, ele teve uma boba discussão com seus, pensou em sair de casa e ir à casa da tia, que ficava numa cidade vizinha. Era noite, mas o clima tenso não o permitia ficar à vontade em seu lar. Pegou a mochila e colocou alguns pertences, o bastante para passar uma semana: livros, CDs, roupas, um tênis, escova de dentes, desodorante e sabonete. Contou algumas notas em dinheiro e umas moedas que estavam na gaveta da escrivaninha, um cigarro e um isqueiro. Saiu pela porta dos fundos em absoluto silêncio. Por uma estrada oposta ao centro da cidade, ele caminhava com a mochila nas costas de cabeça baixa, fones de ouvido e mãos nos bolsos.
A noite estava muito fria. Não passava ninguém, muito menos transporte. Insistiu em ficar, na esperança de passar algum conhecido que fosse para a cidade vizinha. Passava um pouco da meia-noite. Não queria que seus pais ou alguém naquele momento infortúnio soubessem onde ele estava. Desativou o sinal do telefone. Só queria ir embora para qualquer lugar longe daquela casa.
De repente, um vento frio e forte começou a soprar as folhas secas pelas ruas vazias. Uma forte chuva começou a cair, correu para debaixo de um daqueles pontos de ônibus para se proteger dela. Maldita chuva − maldito momento. Sozinho − literalmente sozinho. Pior de tudo: sem ter para onde ir. Enquanto a chuva caía, ele tentava se agasalhar em um cantinho da marquise, onde o respingo não o molhava. A chuva caía mais leve no início da madrugada. A bateria do telefone já estava acabando, pois ouviu todas as músicas do seu acervo.
Tudo ele que queria era ter amigos para que pudesse ligar àquela hora da noite. Ficar ali não seria boa ideia. Começou a vasculhar toda a lista telefônica, procurando alguém onde pudesse passar o resto da noite. Infelizmente não encontrou ninguém. Só então percebeu que nunca fez amizades verdadeiras, eram todas supérfluas.
Era assim que ele se sentia − sem importância. Sentia-se rejeitado, um jovem solitário, cheio de conflitos externos e internos. Mais que isso: sentia-se incompreendido e atormentado. De jaqueta e capuz, continuou debaixo da marquise, esperando a chuva parar. Retirou o cigarro do bolso e o acendeu, fumou como se aquele fosse o último do mundo. Depois chorou.
Voltou para casa com um problema a mais: “a ausência de amigos”. Na volta, a chuva caía mais suave e triste. Chegando em casa, retirou a cópias da chaves, entrou discretamente pela porta dos fundos em silêncio fúnebre, sem deixar nenhuma suspeita. Em seu quarto, deitado ouvia Bach. No dia seguinte, as horas pareciam uma eternidade. Não quis saber de ninguém naquele dia. Sentiu-se um verdadeiro lobo fora da matilha.
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