Kerley Carvalhedo

Separados há quarenta anos

Colocar um ponto final em determinadas situações é uma opção, outras vezes é a única opção. Quando e como saber que chegou ao fim? Falo isso porque recentemente fiz uma viagem ao Rio de Janeiro, onde passei algum tempo estudando roteiro de teatro.

Colocar um ponto final em determinadas situações é uma opção, outras vezes é a única opção. Quando e como saber que chegou ao fim? Falo isso porque recentemente fiz uma viagem ao Rio de Janeiro, onde passei algum tempo estudando roteiro de teatro. Lembro que um dia depois do curso dei carona a um amigo, só que antes ele sugeriu que parássemos na casa de sua avó Tina para um café. Já vi de quase tudo em um relacionamento, só não tinha visto um casal separados há quarenta anos em pé de guerra.

Dona Tina é uma senhora muito simpática e receptiva. Assim que chegamos à sua casa ela nos serviu um delicioso café e bolo de cenoura com cobertura de chocolate, só de lembrar dá água na boca; fomos tão bem recepcionados que perdemos o horário de retornar ao curso. Naquele dia, fiquei sabendo que pouco tempo antes da nossa visita à casa da vó do meu amigo, que ela e seu Gregório estavam completando quarenta anos de separados. Depois da separação, seu Gregório foi morar na casa ao lado, que compraram quando eles ainda moravam juntos. Desde então, nem um dos dois se casara novamente, porém não chegaram a um acordo para restabelecer aquilo que um dia foi chamado casamento perfeito ou quase perfeito. O motivo do rompimento não se sabe ao certo. Há boatos que os dois têm culpa no cartório, cada um tem sua própria versão. Os filhos e netos nem ousam cogitar qual dos dois está com a razão. O casamento acabou, mesmo assim os dois continuavam tomando café da manhã juntos, às vezes também resolviam compartilhar a mesa do jantar. Seu Gregório propôs morar outra vez com dona Tina já que ainda continuavam próximos:

— Tina, quero morar com você novamente, o que acha?

— Ah, eu moro! Mas você vai dormir no quartinho dos fundos, sem beijos e nada de sexo, tá?

— Se for assim eu não quero, prefiro morar sozinho mesmo. Os dois continuam levando a vida desse jeito até sabe-se lá quando. Amar não significa que ambos estarão juntos para toda a vida. Amar requer renúncia às vezes.

Um ponto final em uma história pode ser a escolha certa para seguir em frente. Aceitar que chegou ao fim é um ato de amor também. Tentar consertar aquilo que foi quebrado pode dar certo, outras vezes pode ser ainda pior. Saber colocar um ponto final é tão importante quanto prosseguir. Sei quanto é ridículo romper um relacionamento que custou anos para se solidificar. Porém, não chega a ser tão ridículo quanto ter que fingir que está tudo certo quando o que era certo já acabou. Ninguém merece ficar aprisionado por amor, por qualquer coisa, aliás. Saiba quando usar reticências, mas não se esqueça de colocar um ponto final quando não der mais. A dor é inevitável, contudo, necessária e superável. Seguir caminhos diferentes é a alternativa para dar continuidade ao que temos de mais precioso: a vida.

Imagem/Pexels