Kerley Carvalhedo

O cronista e a crônica

O que é crônica? Os mestres Manoel Bandeira, Rubem Braga, o psicanalista Contardo Calligaris e Drummond também tiveram dificuldades em definir. É certo que a crônica é um gênero com a complexidade das coisas ilusoriamente simples.

O que é crônica? Os mestres Manoel Bandeira, Rubem Braga, o psicanalista Contardo Calligaris e Drummond também tiveram dificuldades em definir. É certo que a crônica é um gênero com a complexidade das coisas ilusoriamente simples. Sem querer catalogar em gêneros, prefiro dizer que a crônica é a literatura sem ambição. A crônica no jornal é aquela respirada profunda.

Como já dizia Nelson Rodrigues: a crônica é a difícil arte de ser direto, franco, compreensível e coloquial. O cronista não é aquele que sobe na cátedra e prega para a multidão, mas aquele que senta no meio-fio e convida o leitor para uma conversa.

Rubem Braga, por outro lado, extraiu as mais poéticas crônicas do acaso no nosso destino. Paulo Mendes Campos ousou-se. Martha Medeiros soube dar conselhos sensatos sobre relacionamentos afetivos, sobre efemeridade e finitude da vida. Com seu humor inteligente e sofisticado, Luís Fernando Veríssimo soube extrair as histórias mais cômicas.

O cronista tem todos os assuntos à sua frente – até mesmo a falta dele pode tornar-se uma crônica. Tudo pode virar assunto: um vaso na janela, uma borboleta, uma xícara quebrada, o vento que levanta a saia, um par de meias, uma noite em claro. Quanto mais trivial o assunto, mais intrigante é a crônica, claro, com humor e lirismo que não podem faltar.

A crônica deveria ser deixada em paz, não sofrer com análises estilísticas, não ser alvo dos críticos da academia. Como disse o bom poeta Ferreira Gullar: “A crônica é a literatura sem pretensão, que não se bate com a morte: sai do casulo, voa no sol da manhã (a crônica é matutina) e, antes que o dia acabe, suas asas desfeitas rolam nas calçadas”. Esse é o espírito da crônica, que aproxima o leitor, que fala de alegrias e tristezas, que traz reflexões sobre homem comum, que, de tão apressado, está sempre de olho no relógio, esquecendo-se de apreciar as miudezas da vida.

O cronista de verdade não espera a tal da inspiração para escrever – até acho essa palavra “inspiração” meio romântica. Quem escreve em jornais, por exemplo, acha um motivo bem “inspirador” para trabalhar: “cumprir prazos”. Por isso, a crônica é a boa literatura.

No entanto, a melhor definição para inspiração da crônica é a de Luís Fernando Veríssimo: “inspiração é o prazo”. A crônica é uma fotografia da vida atual, mas sempre acompanhando as transformações e comportamentos do ser humano. É fruto da observação, da vontade de traduzir sentimentos incompreensíveis, de contribuir para um entendimento sobre nosso papel no mundo. Ao observar o cotidiano, encontra-se a fonte de matéria-prima da crônica.

Imagem/Pexels