Tudo, claro, é uma questão de dormir bem. Não foi o caso na noite passada, tive uma crise de insônia facciosa. Planejo-me para dormir. Deito. Rolo de um lado para o outro na cama, a inquietação só aumenta. Controlo o clima do quarto: “Tá frio demais, tá muito calor”. Olho o celular. Ainda são 2h da manhã. Coloco o pijama, calço a pantufa e desço para tomar água. Vejo o café solúvel e me dá uma súbita vontade de tomar, mas se eu tomar café a essa hora, aí não durmo mesmo. Não resisto e preparo o café. Com a xícara na mão, ando pela casa como se fosse o Frankenstein, vou até o escritório busco a agenda e volto para a sala. Começo a rascunhar algumas metas para o final do ano. Penso: “Amanhã vou aproveitar e passar no banco para ver se consigo fazer um plano de viagens. Não. Amanhã não dá; tenho reunião às 8h30 com o novo chefe da agência de publicidade. Vou primeiro ao correio. Já que não tenho secretária, eu mesmo vou enviar aquela pilha de contratos e livros. Aproveito para passar no supermercado e comprar algumas coisinhas que estão faltando aqui em casa, mas, antes, tenho que ir visitar minha vó, não a vejo há dois dias”.
São 3h15, eu preciso descansar. Amanhã será um dia daqueles, e quando chegar dos meus compromissos ainda precisarei escrever a coluna para o jornal, afinal o prazo já está acabando. Preciso de um pouco mais de café. Não, não preciso. Agora vou dormir. Não, pera! Preciso anotar só mais algumas coisas para não esquecer: tenho dentista na quarta de manhã; terapia na quinta à tarde e reunião com a Olivia na sexta, assim que acordar. Ok.
Calma, peraí! Quase esqueço: Sexta-feira, tenho um encontro com os escritores para um bate-papo. Vou só olhar rapidinho os preços dos voos para Porto Alegre e fazer minha reserva. Ligo o laptop e lá se vão mais 30 minutos. Não vou desligar ainda, vou entrar no meu Facebook e responder os comentários dos meus leitores. Não. Acho melhor responder primeiro os e-mails. Como é mesmo o nome daquela matéria que saiu no El País sobre a legalização do aborto na Argentina? Esquece, não vai dar tempo de ler tudo. Fecho o laptop e sigo de volta para o quarto. Passo pelo corredor e me deparo com os porta-retratos, dos quais nem lembro qual foi a última vez em que olhei para eles. Puxo a gaveta do aparador e vejo um álbum de fotos da minha infância, o qual há anos não via. Sinto uma súbita emoção, devolvo as fotografias novamente no lugar. Antes que o álbum chegue completamente no fundo da gaveta, avisto algumas cartas que recebi quando ainda não existia WhatsApp, outra emoção.
Chega! Agora preciso deitar e descansar. Abro a porta do quarto, deito e, quando puxo cobertor, o despertador dispara trimmm trimmm trimmm. São 6h15, amanheceu, não tem mais jeito. Um novo dia se inicia.
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