Kerley Carvalhedo

A pressa das coisas

Outro dia notei que até as formigas andam com pressa. Caminham em fila, carregando farelos como se fossem pastas de escritório, cada uma cumprindo sua pequena jornada.

Outro dia notei que até as formigas andam com pressa. Caminham em fila, carregando farelos como se fossem pastas de escritório, cada uma cumprindo sua pequena jornada. Fiquei olhando aquilo e me perguntei se também recebiam metas, relatórios, cobranças silenciosas. Talvez seja isso: até bicho pequeno entrou no ritmo moderno — correr, sempre correr — sem saber exatamente para onde, mas indo assim mesmo, porque o resto do formigueiro vai.

Na casa da minha avó, o tempo tinha outra educação. Não apenas cochilava: tomava café, sentava na varanda, observava o quintal. O feijão cozinhava no próprio humor, às vezes mais macio, às vezes rebelde, mas ninguém discutia com ele. Hoje, se a panela atrasar dois minutos, já pensamos em assistência técnica, garantia, defeito de fábrica. Parecemos ter esquecido que as coisas existiam antes de nossa impaciência.

Meu celular, por exemplo, resolveu parar. Me deu um apagão digno de novela antiga: dramaticamente, sem aviso e sem motivo. Fiquei ali, sem mapas, sem recados e, pior, sem a sensação de urgência que me mantém de pé como se fosse obrigação constitucional. É curioso perceber que basta um aparelho desligar para revelar o nosso próprio desligamento — aquele que evitamos admitir para não parecer vulneráveis.

Quando o aparelho finalmente ressuscitou, fez questão de jogar tudo na minha cara: promoções urgentes, mensagens ansiosas, pendências improváveis. Uma avalanche de inutilidades me cobrando atenção. Apaguei tudo com a disciplina de quem tira o pó dos móveis sem acreditar na limpeza. É mais um gesto automático do que convicção.

Pensei então que talvez não seja o mundo que corre demais — somos nós que tentamos alcançá-lo, mesmo quando ele não está indo para lugar algum. As formigas continuam firmes no passo delas. A panela de pressão segue fazendo o possível. E eu… eu sigo também. Se um dia eu travar de novo, não estranhem. Não é pane. Nem drama. É só a vida pedindo um intervalo — coisa que, ao contrário do celular, ninguém vem avisar.